sexta-feira, 27 de abril de 2012

Transforma-me



Oh! Porque não vens?!
Chega junto ao meu peito e transporta-me
Quero subir, para ser entregue ao ar, até os limites das nuvens.

Trapaças da memória IV – revirando o baú




Não quero descrever poemas, nem falar de alegrias. Quero revirar o passado...Para encontrar o que/ quem? Ninguém!

Sinto que o tempo pode não ser tão longo quanto desejamos e por isso, nunca sabemos o momento exato da partida. Se eu soubesse, prepararia um roteiro com o título “Cerimônia de Encerramento”, para que não houvesse nada em desacordo com minha vontade, ninguém indesejável na festa. Aliás, ia querer sim aqueles que não gostaram de mim, só para reafirmar que fui humano demais.

Reviro o passado para encontrar uma única e exclusiva pessoa: eu... De repente, veio uma saudade de como fui nascendo e morrendo ao mesmo tempo. E o quanto é curioso – a gente nasce e já vai morrendo, então não deveria chamar nascimento!

Fotos antigas, roupas velhas, CD’s, alguns poemas inacabados, pessoas alegres abraçadas a mim, raríssimos amores (em quantidade e qualidade), amigos que sumiram com as mortes cotidianas, anotações em cadernos, bilhetinhos para colegas de escola e faculdade. Quanta raridade!

Aí, percebi o quanto sou egoísta e fiquei feliz, pois poetas são egoístas e causam seus males para ter o que chorar sobre uma folha em branco. A solidão e a saudade também o são.

Quanta coisa em vão. Quantos sonhos largados no vão. Quantos planos que não passaram de simples panos, com o acontecer do sol e da chuva ficaram fracos, opacos até rasgarem-se em um único buraco.

No baú que reviro agora encontro um pouco de poeira, rosto jovem e encorajado, trejeitos de pessoa feliz e que quer viver além do que a vida permite. Só bobagem. Porque na bagagem para a última viagem não se leva muito, talvez não seja necessário nada. Somente a vida toda que deve passar num instante.

Mas então não houve amor?! Ah, existiu sim. Já dizem os vividos e outros morridos: “O que é a vida sem o amor?!”... Algumas cartas fechadas em envelopes, esperando a coragem postá-las, poeminhas rascunhados com o nome da pessoa, receita de pratos deliciosos nunca feitos, papel amarelo contendo os amigos, nome da mãe desconhecida.

Amores...tantos amores quanto a vida. Talvez nenhum outro amor, antes ou depois. Só um dos grandes! (...) Numa descoberta que no meio do Eu existem outros que fizeram eu chegar até aqui, nessa última palavra EU.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Embriaguez poética




Sabe aquelas palavras que você acha desconexas, sem sentido, ridículas?
Aqueles dias tristes, as horas mais vazias, o céu mais silencioso?
Conheces aqueles desejos mesquinhos, a raiva, a inveja e o orgulho?
Aqueles calafrios ao lembrar de mim, aos ler as minhas palavras e  a minha ausência?

É minha embriaguez.
A atitude de uma vontade sem solidez...

É minha embriaguez.
Que espero para dizer que há amor por uma única vez.

É minha embriaguez.
Embriaguez que jorra o cotidiano nas calçadas.

Sabe aqueles momentos na madrugada, que a saudade vem com uma ladra?
Aquela hora que o tudo ainda é pouco perante o nada?
Conhece de cor aquele texto que sempre termina com reticências?
Aquela sede labial por um suave toque de amor real?

É minha embriaguez.
O descompasso de uma galinha choca e magra.

É minha embriaguez.
Que me faz esperar e o não acabar se tornar somente um gole.

É minha embriaguez.
De que um dia, talvez, o sonho aconteça de vez. 


terça-feira, 24 de abril de 2012

Trapaças da memória III – A pequenice




Igual ao chapéu que traja um velho forasteiro e sujo, pela poeira da estranha estrada, levava em sua trouxa um punhado de sonhos. Não que eles fossem necessários, mas eram leves para uma caminhada pesada.

Cada pedra, que esculpia um formato bruto de diamante dia e mente, traça esse caminho que destoa da falta. Ou da presença? Invenção alienada de quem não tem nada para fazer no mundo, além de brincar de escrever e de lembrar.

Na madrugada de hoje, o chapéu foi levado por uma brisa – igual àquela da montanha da qual falávamos. O forasteiro sem o seu fiel escudeiro, aparador de cada calor, charme necessário para um em cada amor, ficou nu com poeira na memória.

Tamanha peladez que mostrava ao sol todas as artérias que o faziam ser algo chamado amor: esse desconhecido viajante, que caminha de um em um.

Tanta estranheza de sua pequenice perante um caminho tão longo feito e de tão longe a se fazer. Só mesmo com o recém-nascimento para acalantar as noites vindouras de breu, de fel e de véu.



domingo, 22 de abril de 2012

Trapaças das lembranças II – O esquecimento




Tive um corrimento escrotal. Ao ver, pela minha janela, que chovia, desejei ser poeta com tantas palavras e foi inevitável: escorreu pele abaixo e corpo acima um líquido de esquizofrenia amorosa.

Eu olhava para cada gota daquela garoa e tentava lembrar-me quando fui chamado pelo nome, pela primeira vez. Mas só consegui esticar o pensamento até um apelido pálido, rochoso e desnecessário: “meu anjo”. Ah, isso soa tão estranho para alguém que não se lembra do próprio nome.

Descobri, então, que a garoa é de uma mente tão sarcástica e sádica, que enfia letras separadas na cabeça da gente e nos contorce ao ponto de termos escorrimentos poéticos. Não gosto mais da garoa, prefiro a chuva!

Os poetas são feitos de continuidade e eu me recusei a ser contínuo – ou fui obrigado? Não me lembro. Fui recolher as roupas do varal, acender a claridade da noite e pensei na pausa. Definitivamente, não tenho nenhuma qualidade para ser poeta.

Gosto da fala pausada, das frases sem fim, das palavras cortadas. Até minha memória é cheia de lacunas e qualquer exercício que faço para relembrar só consigo saber que esqueci... Lembrei-me: aquela noite, aquela música... Qual o nome dela mesmo?! Ah, você sabe.

Toda música ajuda na memória, e lembrar dói. Deveria ser proibido acessar lembranças e ser poeta. Os dois nos alegram pela dor.



sábado, 21 de abril de 2012

Trapaças das lembranças I – o enlace de nó




Desde pequeno tive vontade escrever um livro. Definitivamente, não cresci muito nem pra cima, nem para os lados. O livro? As palavras me odeiam. São tão ásperas que lixam minha garganta, iniciando da língua ao coração.

Não! Se eu pudesse escrever lindas palavras seriam sem rimas e nada do coração.
Seriam textos menos cartesianos, pouco convencionais. Uma verdadeira arena para a luta de esgrima. Ah, mas não sei escrever muito para poucos, nem pouco para muitos.

Considero cada palavra, desde que conheci você, um tecido, mal entrelaçado igualmente aquele filme que assistimos no primeiro encontro. Lembra-se?

Ah, tenho outro problema: as minhas palavras são tão egoístas, são tão intimistas, que eu tento falar de mim para mim, mas no fim, elas teimam em dizer somente sobre você. Deve ser um conto moderno travestido de crônica mal pensada com uma poesia pouco desejada e muito menos amada.

Um dia alguém disse-me: “Crie versos, com rimas e coordenados por estrofes”. Atendi ao pedido e fui buscar nas salas de bate-papos todas aquelas inspirações que Camões não teve. Nada demais! Os versos eram comum ao excesso, as rimas eram como crinas cortadas por estarem cheias de carrapatos e as estrofes, mesquinhas igual ao teu coração.

Definitivamente escrever não é para mim. Nem amar. Ser poeta é algo tão venenoso quanto morrer todos os dias e ressuscitar toda noite sendo senhor de uma palavra. Não morro e não sou seu senhor! E amar exige estar vivo a todo momento para não perder o dia da morte.

Lembranças também não são meu forte. Aí estão dois desafios: palavras e lembrar – um enlace complexo, menos que aquela nossa primeira noite de sorrisos, olhares contemplativos e de admiração. Uma prova que a poesia independe da palavra, mas do teu ciclo corporal. 

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Queria



Queria
Que
Queria ria

Queria só por mais mil dias
Que
Ria ao sabor da pitanga que ia
E longo cada dia da tua pele seria
Queria que
Fosse um quê,
Mas somente com você.
A gente ia
Porque queria
Que o infantil amor pra sempre duraria.
Só queria.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Duas pétalas, tantos venenos




Mansamente recobertas por uma fina camada de mel.
Tão pouco que exala um gosto esverdeado e pálido.
Insensatos os gestos de olhares descobiçados
Tão penetrantes quanto a areia de teu deserto árido.

Discretamente degradês do início ao réu.
Tão doces quanto a última cor do beija-flor.
Alinhadas, as mãos tensas por machados
Envenenadas em gotas suaves de amor.

Quantas duas vidas viajadas em muitos terrenos,
Tão barrentos que vomitam delicadezas.
Poesias vestindo os longos campos arados,
Tão vastos quanto as próprias estranhezas.

Para cada pétala uma rosa.
Tão sexualmente invisíveis ao céu.
Decoradas para cada uma a tua ópera
Tão sincronizadas quanto da crina a tosa.

Flores, com gosto amadeirado.
Tão mortíferas quanto uma era.
Manhosamente envenenadas de
Tão espinho macio cultivado.


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Chegue cedo, querido Amor!


As folhas já caem ao chão nesse meu outono,
Os galhos se contorcem desnudados pelas flores,
A terra, se banha entre a brisa leve que amacia as folhagens.

Quantas bobagens!
Pois o sol já está arregaçando as vestes de minha janela,
Ficam pálidas. Ficam fortes e coloridas todas as minhas cores.

Quanta heresia!
Pois o céu não vive só de um amor,
Cada dia há para o coração um ensaio de outro dono.

Vejo daqui: é noite das mil e uma!
Chegue cedo, querido, pois a vida é um perigo.

Conheço tantas coisas: um anjo que fuma,
Duas vidas que voam sobre um puma.
Viaja comigo?

Não chegue tarde! Chegue a tempo!
Pois, há uma ladra que não tarda e leva tudo como o vento.


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Sexta-Feira da Paixão Nossa de Cada Dia



Assim como Jesus Cristo, que teve sua paixão, tantos de nós a temos. Paixão de Cristo que foi o ápice de seu sofrimento para a passagem, uma viagem à transcendência da libertação, da liberdade.

Penso em quantas pessoas, assim como eu e você...e Jesus, vivem sextas-feiras da paixão, com seu sofrimento, derramar de sangue, gotejamento da dor por tantas mazelas – sejam elas quais forem.

Sexta-Feira da Paixão Nossa de Cada Dia, que morremos ao meio da tarde, às vezes com coragem, às vezes com medo, de repente ou não; com hora marcada, ou tempo certo. Paixão de Cristo que também é nossa paixão. Um sentimento rápido e passageiro de si, mas voraz. Que consome quem sente e quem cerca quem é sentido... Igualmente acontece na Paixão.

Quantas Paixões precisamos viver todas as sextas? Quantas Sextas serão nosso momento de viver uma Paixão para poder ter a Páscoa? Não sabemos. Porém, de forma consciente ou não, sabemos que a Páscoa chega – seja de forma clara ou não, seja branda ou tempestuosa, mas ela repousa sobre nós e nossos espíritos, assim como chegou para Jesus.

Santas são todas as sextas-feiras que assumimos morrer nossa paixão, acreditando que há, no terceiro dia a comemoração da vitória que o Amor travou antes com a paixão. São santos esses dias que acreditamos no caráter passageiro dessa paixão. Por isso, todo o silêncio, todo o recolhimento, que não acontece só hoje, mas em todas as nossas Sextas-Feiras da Paixão para que venha a nossa Páscoa: singela, silenciosa e libertadora!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Falo



Desejo esse teu verso íntimo, como quem tem sede pela água pura da bica.
Quero transformar-me numa má língua que massageia esse meu ego de maneira única.
Eu quero alisar o gosto mais indecente de teu desejo mais picante, numa noite santa.
Falo que teu falo não cheira à grosseria, nem à pele  macia.
Mas é engano, de tudo que não há sou eu quem nos sacia.
É uma nudez vazia.
É uma tristeza que faz minha pele erótica, um passado que pedia:
- Venha! Seja o maior silêncio, que eu me calo. Tenha a mim como um calo.
Necessário e ordinário. 
- Venha, arranque teu falo e façamos um banquete.
- Coma de ti mesmo com palito e alfinete. Sacie tua fome de nós dois.
E no fim, versos mínimos, risadas arregaladas, mãos pesadas é o que ficará para depois.

domingo, 1 de abril de 2012

Crônica de domingos



Domingo precisa ser canônico. Iniciar ao bafo de longas tragadas pela madrugada e gostosas conversas com almas penadas. Ramos, muitos ramos pelo caminho, pois a passagem é sempre insegura, descuidada e um pouco embriagada.

Um domingo necessita de um café daqueles bem fortes e doces, escorrendo uma conversa na sala, sobre o sofá vermelho religioso. Pois, os fatos não esperam e as notícias matinais são ásperas, assim como essa língua que percorre tua vida, sem ao menos deixar vestígios.

Domingo do fim da quaresma, do início da paixão não espera o pão esfriar ao pé do fogão. Pois paixão é dolorida, já pelo nome se diz que tem sangue, tortura, morte e ressurreição. Fiquemos todos com os terços apostos para qualquer momento uma nova reza!

Domingo de Domingos é para aqueles mendigos, igual a mim e você, que sempre quer o mais de uma migalha, seja da vida, do dinheiro, do tempo, do sabor ou do amor. Pois, domingo é só um, mas Domingos tem tantos para quantos.

Um domingo fatidicamente merece uma atenção especial à preguiça do cansaço semanal. Dia de olhares distantes para o tempo que passa com cheiro de nunca acabar, com gosto de amora e pitangas espalhadas pela rua dominical.

É dia igual à virgem que na noite passada perdeu sua pureza com um purê de batata, de forma angelical.