terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Uma meretriz entre amor



Visto-me com o pior vestido.
Daqueles que só o medo é demais comprido.

Visto-me com a pior roupa íntima.
Daquelas que só a coragem é a medida mínima.

Sou uma meretriz!
Sou uma aprendiz!

Dedico horas a bagunçar os cachos.
Daqueles arrumados para os piores machos.

Dedico toda noite a melhor poesia.
Daquelas que só a pior amante faria.

Sou uma meretriz!
Sou uma feliz!

Utilizo a maquiagem mais forte.
Daquelas que é pra atrair sorte.

Banho-me no valor.
Desses que só vale o amor.

Meretriz. Aprendiz. Feliz.


Amor – doce de leite com maracujá


Uma coisinha simples de se misturar,
Grãozinhos de açúcar para se embebedar,
Uma pitada de nada,
Uma receita em cima da velha mesa colocada.

Amor – doce de leite com maracujá,
Punhados de líquido,
Goles de calor.

Amor – doce de leite para enjoar,
Mexidas ferventes ao dente,
Amarguras de doce sabor.

Amor – doce de leite para levar,
Colher de pau com sal,
No calor, um amor, um maracujá
E muito doce de leite para engordar!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Recordações



Ontem à noite senti que chegou alguém. Uma visita inesperada, uma pessoa querida... Aí lembrei-me de quanto tempo fazia que não a via, não sentia seu olhar, seu cheiro. Não lembrava-me dos versos exclusivos que a mim eram feitos, dos planos que delicadamente eram partilhados.

Ontem à noite, tive os melhores sonhos, tive o melhor abraço, a melhor partilha... Sabia que mesmo distante ou não percebendo sua ausência, essa pessoa estava lá, olhando-me profundamente de seu lugar...

Ontem à noite, tive sua companhia, mas foi hoje, ao acordar que realmente concluí: - “É, você esteve comigo esse tempo todo e eu nem notei!”. Numa breve conversa, no despertar matinal, no abraço longo, percebi que o perdão não é para os outros, é para a gente. Que o amor só é amor quando é partilhado e ele – o amor – está acima de loucos devaneios, de insanidades e amoralidades.

Hoje pela manhã,  relembrei o tempo que você esteve presente comigo. Recordei todas as mudanças que fiz em mim e que você silenciosamente ou não, concordando ou não presenciou. Íntimo, sereno, voraz, por vezes, pálido, ora arrojado...corado com tinta cor de sangue, com um doce azul celeste, de olhos serenos, de voz mansa.

Hoje pela manhã, fiz memória de você...e senti saudade de todo o tempo que estive ausente de ti... A saudade era minha e era por você... a saudade era de mim mesmo, esse fiel companheiro, esse amor verdadeiro! Enfim, posso caminhar por mim.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Des-atento


Tudo que eu conheço sou por demais medido:
Faço cafezinho ao anoitecer para amanhecer,
Dou importância demais ao sache do chá,
Mastigo por de menos cada comprimido,
Meus olhos esquecem de não reparar nos detalhes do viver.

Tudo que eu conheço sou por demais comprometido:
Desfaço suavemente o laço da caixa de bombom,
Rasgo vorazmente o véu de tua pele,
Toco com os lábios um ritmo frenético,
Dança uma coreografia sincronizada,  meu coração.

Tudo que eu conheço sou por demais engolido:
Risco no papel desenhos sem sentido,
Escuto quase nada que vem de mim,
Desmereço cada parte nobre: o desprezo e apreço,
Minha alma alimenta-te mesmo sem ter o endereço.

Tudo que eu conheço sou por demais medido.
Tudo que eu conheço sou por demais comprometido.
Tudo que eu conheço sou por demais engolido,
É algo em mim, meio assim:um gigante nobre e adormecido
Que pelo amor abala o mundo com o rugido.     

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O fio de seis entre nós


Um desejo desses que foram nascidos com o vento,
Sem história e sem tempo.
A mansidão que corria igual às folhinhas levadas ao relento.
Um olhar fixo que tecia um leve balanço à cada cor posta,
Entre nós, um fio. Não seis!
Porque um é de muito só. De seis é a medida certa daquele dia.
Coisinha que no tear, ao tempo, acontecia.
Aquele vento nascido com um desejo desses,
Sem tempo e sem história.
Um menino mesquinho que levava em cada costa,
Baldes de pitangas roubadas de forma aleatória.
Aquele fio de nós, aqueles nós que nem eu nem seis,
O tempo só ele foi capaz e se desfez.
Entre nós os nós e a velha que tecia
Noite e dia!
Sabia que amanhã o nunca chegaria,
O pra sempre acabaria...mas  o fio,
O fio lá estaria...tecendo, tecido
Por vezes rasgado, reconstruído em uma nova estamparia.
A moça eterna tecia, mas cansada nem adormecia
Porque sabia, que ao amanhecer o sol viria tecido, vestido
O fio de nós, entre os nós tão sós.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Passageiro



Entre os dias que correm na frente da minha vida,
Dentre os momentos que ficam mais caros a cada partida.
Sei que é preciso arrumar a mala,
Por sempre um traje de gala,
Colocar o mais caro anel.

Entre esses sentimentos de passagem tímida,
Dentre os abraços não dados, o baú vazio.
Sei que é preciso uma nova sandália,
Fazer do caminho a penúltima festa,
Seguir para teu céu.

Entre as palavras desejadas,
Dentre as juras desperdiçadas, a verdade perdida.
Sei que é coerente pentear-se com um novo pente,
Fazer novas paradas, outros intervalos, pequenas pausas,
Seguir junto a você como um querido parente.

Entre os dias que correm na minha vida,
Sei que nascer é uma despedida,
É uma única ida sem contar os dias do calendário.
No fim, nascemos conosco e andamos
Sempre, cada um, mais solitário. 


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Véu de lama


Um tecido branco espalhado pelo chão,
Velas azuis dispostas em lindos castiçais,
Pétalas vermelhas deitadas do início até o coração.

Um punhado de sal,
Um punhal,
Um vazio fazendo contorno entre o meu vão.

Um ponteiro parado,
Agrado ao porteiro,
Poemas e outras coisinhas banais.

A cadeira no canto,
A bengala no outro,
Um velho sentado recitando o final.

O véu entrelaçado,
O seu desenho desbotado pelo tempo mau.
Num papel amarelo,

Rascunho
Feito a próprio punho
“Versos escritos sobre o véu de lama, inverdade fama
de um amor minguado, calado, naufragado no início do cais”.


Poesia, o meu comum

Minhas palavras são camufladas,
Minhas ações são determinadas,
Meu querer...ah, esse vai por outras estradas.

Adoro esse jeito ácido de poetizar,
Gosto desse defeito pontiagudo em cada acento.
Até tento,
Mas no final minha poesia é assim.

Preciso morrer para entender,
Necessito de pequenos goles assim,
Do teu veneno comum.

Minha arte não é só amor,
Minha língua é a menor dose
Meus versos firmes o golpe maior.

Sim, a sutileza áspera
De cada palavra,
A criança minguada
Na tua escrita desbaratinada
É a melodia camuflada
Da coragem calada.

Sim, a sutileza pesada
É a minha poesia arrojada.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Viúva



É meia noite, doze badaladas, doze camaradas.
Às doze, doses envenenadas
Pra minhas amarguras que foram enterradas.
Para o defunto,
Que açoitou meu amor no mundo.


O relógio dá o sinal, mas não vejo nada além 
do corvo marginal.
Será que eu morri? Será que foi o amor afinal?!
Meu véu negro,
Meu sinal no céu,
Meu choro que nunca vem.

Às doze horas, doze chicotadas em ervas banhadas.
À meia noite, um amor em cada encruzilhada,
Deixo o defunto em cova cimentada.
Pois meu luto ninguém tem.

É meia noite, doze cavalgadas pela lua cheia
Doses bêbadas de lua nova,
Doze luas crescentes
E logo um novo amor, atado por correntes.
Ao amanhecer, às cartas pergunto:
Qual o nome do próximo defunto?


Amor Perecível




Em tempos de desamor, há amor demais. As pessoas nunca estiveram tão aguçadas em sua capacidade de amar quanto na atualidade da pós-modernidade.

Muito se fala no tempo do cuidado, no desejo de cuidar do outro, de cuidar de si, das plantas, dos bichos e da vida. Entretanto, não há tempo para cuidar, pois tudo parece ser dispendioso em demasia.

A paixão, numa velocidade estranhamente apaixonante, esvai-se e dá lugar ao amor. Ele, que “para quase todo sempre” era pra sempre, torna-se somente um dos sentimentos passageiros, em um daqueles vagões da última viagem a vapor.

Há, agora, um querer mais de amor. Um amor mais-que-perfeito que este perfeito... Sabe aquela noite em que você dedicou para ficar olhando a pessoa querida, enquanto ela estava se sentindo mal, triste, acometida por uma fatalidade da vida ou da morte? Sabe aqueles dias que você, cansado de um dia louco de trabalho, chega tarde em casa, joga somente uma água no corpo e vai ao encontro de seu outro – para simplesmente, acariciar e olhar esse outro como se olhasse a sua alma? 


Talvez você se lembre de alguma vez ter oferecido disponibilidade ao tão constante indisponível. Ah, recorda-te dos momentos em que seus afazeres foram bem menores que teu querer bem? Que seu íntimo foi invisivelmente despido a olhos que nem viram essa nudez de alma? E aqueles momentos de sua verdade para o seu outro foi maior que qualquer verdade dita a si mesmo?

Nestes tempos não há raridade. Tudo é pouco demais para o nem tudo. O que importa é amar, mas não um Amor especial. O importante, talvez, seja um amor com validade.

Cada dia mais parece existir pessoas menos. Há sempre uma chance de adquirir um amor melhor. E o que se vê são os invisíveis anúncios de amores: PRECISA-SE DE UM AMOR COM 1,80 – PRECISA-SE DE UM AMOR NEGRO SARADO – PRECISA-SE DE UM AMOR LOIRO, BAIXO, EXTROVERTIDO – PRECISA-SE DE UM AMOR CARINHOSO, ATENCIOSO QUE GOSTE DE BALADAS – PRECISA-SE DE UM AMOR DISPONÍVEL; ATENÇÃO: ACEITAMOS TROCA, CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO!

E assim, o amor vai se tornando banal, algo que pode ser encontrado não na raridade dos gestos, das carícias, da entrega, da cumplicidade – mas na próxima esquina, no próximo final de semana, no novo contato dos grupos de relacionamentos virtuais. Amor deixa de ser amor e passa a ser produto. Um produto barato demais, disponível demais para ser especial.

Um a mais de todos nós


Ah, hoje tenho um lamento
Porque não há nada nesse meu relento.

Ah, hoje eu queria só mais um pouco
Porque tudo que há ainda é mais.

Nesse meu desalento, só gostaria
Que eu fosse feito de toda poesia.

Pra quê? contornar mil folhas,
e mil poemas escreveria.

Ah, se por hoje toda arte fosse minha
Faria de todo meu corpo uma mera linha.

Deixaria tão nú
Começaria amar tão crú

Ah, se por hoje eu tivesse essa poesia
Escreveria você por todo meu corpo
Até que cada espaço e cada olhar transbordassem

E por fim, viessem as Parcas
e nosso querer,
nosso desejar e nosso amor
de todo em nós costurassem