segunda-feira, 25 de junho de 2012

Às noites de oração



Ah Senhora da noite, soberana dos luares encantados, 
dos recantos e de cada canto que se ouve estremecer no breu 
que cobre os mistérios noturnos...
Senhora de minha razão, 
das estrelas perdidas, das constelações órfãs...
Ah, minha Senhora de manto turvo, 
olhos de jabuticaba, de voz suave.
Senhora dos lábios de mil amores, faça de minhas noites,
uma para cada oração
de cada oração um dia a mais para meu coração.



sábado, 23 de junho de 2012

Lições de Motim: da solidão, do cárcere e dos des/afetos




Longe de querer dar definições, mas próximo às sensações e experimentações de uma personagem – Dona Cotinha – vomito paladares sentidos com o texto denso e coeso da peça “Lições de Motim”, de Hugo Zorzetti.

Às vezes, pensamos e acreditamos na solidão como um incômodo. Mas não! Pode ser a presença que nos provoca a ir deixando, aos poucos, as pessoas.  Dona Cotinha, mesma diz: “Tem gente que não gosta de solidão. É claro! Só gosta de solidão quem nasceu para ser solitário.”

Cheirar toda essa renúncia que as palavras de uma velha aposentada e com “seu ladrão” de dez anos preso em sua janela, faz-nos refletir nas marcas que a vida vai deixando em nossas paredes.

Degustar do desfazer das mãos que nos torturam, por bem ou por mal, é um exercício paciente, engraçado, solitário e doloroso... É assim, que se desenrola uma trama que prova a nossa necessidade de aprender a nos ver como solitários, mas que essa solidão só é construída a partir das marcas de Cuecas (o ladrão) e Cuecas que entram em nossa residência para "roubar" o que temos de mais simples, porém de mais caro e raro.

No fim, a presença e a solidão nos causa os mesmos efeitos e aí “fiquei órfã do medo”, “eu fiquei órfã da piedade”, “desapropriada do choro” e “órfã de minha vergonha”.

Então, se “viver só vicia” também é preciso que sejamos preenchidos com as sombras...Num jogo complexo, com um diálogo intenso de nossos medos, de nossos acontecimentos, que provocamos e que nos provocam.

Lições de Motim é mais que um diálogo entre uma velha, aparentemente desprovida do desejo da presença e seu ladrão, de anos. Mas é o desejo de um “ladrãozinho qualquer” que insiste em dá significado à solidão pedagógica, num desfecho com uma boa conversa psicanalítica e um desejo de aprofundar mais e vê-lo outras vezes... Na ausência construída e na pertença invadida. 

Reflexões sobre a peça "Lições de Motim", de Hugo Zorzetti, com elenco: Liomar Veloso e Renata Caetano, direção de Constantino Isidoro e realização da Anthropos Cia de Arte.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vai-dade

Minha vaidade são esses meus olhos claros,
Essa minha textura aveludada e comportada,
Essa idade de extrema avançada
essa brancura...


Minha idade são esses sinais a mais,
esses animais das campinas outonais,
Essa vida de ciganos campais
esses desejos raros...



domingo, 17 de junho de 2012

Fecha[que]dura

Abra-se esse véu para o novo mundo
e a contemplação do velho escorado na antiga janela será a anunciação.
Os tempos de nosso passado no corrimão
correrão.


Desvende-se de dentro para fora o antigo
e o escorredor de macarrão fará o filtro de cada fio.
Os ventos  alegres que pousam na chave
voarão.


Salve-se do purgatório
e São Jorge ajudará até o caminho do oratório.
A morada  logo acima do rio
ficará.


Senta-se na calçada de pedras
e a revoada da molecada será uma ópera em falatório.
A subida da alegria, vestida em cor de brio
abrirá.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Con(tinu)ar...



Não é só o tempo que é voraz, as pessoas, os desejos. A vida também o é. Ao contrário, a esperança parece ser o contraponto, a sensível pintura que equilibra a rapidez da fome, a insensatez do "nunca comigo".

A esperança é que vai fazer a melodia ficar suave, detalhar a continuidade de nossas vidas. Continuar sempre, mesmo que o caminho seja claro, bem cuidado, de visão extensa ou que ele seja turvo, melancólico, dolorido.

Continuar a acreditar que o ar não faltará, que a música da natureza sopra silenciosamente em nossas veias, mais forte que qualquer exercício contínuo para nos parar... Bobagem, acreditar que o caminho termina.

Aliás, o caminho já iniciou em algum tempo, continua agora, e continuará depois. Somos espelhos de outras histórias, somos aprendizados para algumas dores e para o alívio de outras que poderiam acontecer. Nossa história é uma continuação e nossas vidas podem ser um alerta a outras vidas.

A libertação daquilo que buscamos, pode estar hoje em nossa dor, mas também pode estar no alívio de outra vida, da qual podemos salvar. O alívio pode não estar em não sentirmos nenhum sintoma do que nos acontece, mas ele (o alívio) pode estar em termos a chance de, com nossa vida, alertar e prevenir outras vidas, outros amores, outros verdadeiros amores, de que há outro caminho.

De tudo que nos acontece, muitas vezes dói e nos sangra na alma e no físico, mas pode ser esse o preço do acordo que antes firmamos para contribuir com a libertação do outro e a nossa... Lógico, perdas teremos, principalmente quando se ama integralmente.

Mas amor integral é isso: compreender que podes fazer mais para salvar e libertar, do que ter cativo... Isso é continuar a jornada de antes, de agora e - quem sabe - de depois.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Águas de meu moinho



São essas letras que relampejam por toda minha vida,
As águas barrentas e outras tantas lentas
 para curar cada ferida...

De muitas faces que se perderam nas angústias sonolentas,
Os bem-te-vis musicando em seus ninhos
Para afastar as línguas rabugentas...

São os açoites dos fiapos dessa terra,
O rebanho pardo e a ausência desse fardo
Para adoçar o coração que tanto erra...

Dessas águas cantarolando rio acima,
As vestes brancas quarando sobre o gramado
Para esperar as horas desse meu moinho...

São as horas de uma menina,
Os calafrios dos lambaris
Para cortejar os dias que não vi...

As águas de meu tempo,
Que correm mata adentro.

As águas de meu tormento,
Que gritam na mina ao relento.

São as águas de meu moinho,
São o entardecer com pão e vinho,
As águas de meu moinho.


domingo, 3 de junho de 2012

Entre o olhar da fresta




Quem é você, que esconde-se sorrateiramente entre as roseiras?
Curioso vulto, que agacha-se entre os arbustos do quintal.
Quem é você, que neutraliza com sua única voz outras presenças?

Uma cadeira de balanço, uma toalha para espantar a solidão.
A chegada do entardecer e uma vida toda a tecer.

Um portão vermelho-fosco pintado a pinceladas trêmulas.
A noite tão inquietante igual sua à única voz a dialogar.

As lágrimas de uma vida a tremer,
Muitas tristezas pela janela a se prolongar.

Quem é você, que fala por si só?
Quem sou eu, que já sou há muito pó?
Quem somos nós, acasos de tantos nós?

Um fio fino de cabelo branco escorrido.
Um vestido verde-limão meio comprido.

E aquele tempo passando todos os dias,
Como as horas de Ave-Marias.
Passos lentos, ao relento, dados na mesma rua.

Quem é você, que deixa essa janela tão nua?
Quem sou eu, que desencaixa a tramela da lua?
Quem somos nós, que passamos a vida pela rua sem calçada?

O tempo ungido pelo desamor bandido.
O sonho há muito tempo perdido.
E você, que ainda cheira à flor.
E nós, que ainda temos a poeira,
Para rimar sem musicar ao sol da comunheira...