sexta-feira, 26 de agosto de 2011

27



Quando o tempo ainda não passou, a gente espera o ônibus.
A gente espera até que cada momento do horóscopo decida...
Talvez cada um de nós seja todos os dias, suicida.

Quando o ônibus não vem, há um trem, há um avião.
A gente espera até que a vida esteja na cor exata...
Talvez sejamos passageiros diários de balas de canhão.

Quando o sol aquece o corpo, a gente espera a sombra.
A gente espera até que o romance termine com o adeus...
Talvez somos todos passaporte de uma grande obra de museu.

Quando o amor não é lamparina, a gente espera ao relento.
A gente espera até que o vaga-lume vagueie pelo caminho...
Talvez ninguém de nós espere flores de setembro.

Quando a música corroi o ouvir,
Quando a espera transcende o porvir,
Quando o 27 são todos nós e ninguém,
A gente espera...espera calmamente.
Talvez sejamos uma espera como água transparente.
Talvez sejamos castelos de areia a ruir
Talvez sejamos mesmo ilusão na multidão além.
Talvez sejamos novos rumores de grandes amores a se reconstruir. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Meu voraz eu


Eu sou assim, desse jeito mesmo, sem frescura.
Sou disforme de uma partitura,
sou tela sem pintura,
sou branco, sou nêgo.

Não gosto de candura.
Tenho arrepios de frio,
Sou eu, sou você, sou nós
para quantos nós.

Eu sou da galera
Sou marginal do amor,
sou é do subúrbio.

Eu sou é simplista, querido!
Minha cor é o gueto
minha vida é da putaria camuflada.

Eu sou Gabriela,
sou puta delicada.
Menina mimada.

Eu sou então, meu próprio peito,
sou quase o namorado perfeito.
Sou mesmo é senso comum,
patê de atum.

Sou amante, mãe Joana.
Eu sou suas entranhas
e as tuas roupas estranhas.

Sou ele, elas.
Sou o teu desejo em cada esquina
Eu sou a própria Joaquina,
a verdade entre celas.

Eu sou isso querido, nada mais.
Deixe tudo para traz
Meu desejo é voraz,
rapaz.
Meu corpo não se sacia.

Eu sou é tua sede macia
eu sou é teu gozo até amanhecer o dia.
Eu sou isso, querido:
Um doce perigo.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Tesouro de princesa



Era uma menina barrigudinha
Era uma menina de estranha envergadura
Era uma princesa de roupa mesquinha.
Era a menina que pintava
Era a princesa que cantava
Era a criança que de boneca se enfeitava.
Uma boneca que se enfeitava de criança era
Uma princesa que cantava e pintava a menina era
Uma roupa mesquinha de envergadura estranha
Uma princesa estranha com uma menina de envergadura barrigudinha.
Nada ela tinha
Tinha nada nas mãos
Guardava uma velha caixa no vão
Nada mais, nada menos
Um coração
De papel
Era uma menina barrigudinha de cachos doces
Igual ao mel
Era o próprio amor feito a pincel.


domingo, 14 de agosto de 2011

Outro cais









Vai embora. Já deu.
Foi eu... Eu também fui
agora é sua vez!
Mas que seja por toda vez,
uma única e nada mais.
Nada além. Não terá nem um vintém,
porque não amas ninguém.
A poesia se perdeu
e a face tornou-se breu...
É só uma sorte de plebeu,
Nada mais!
Então, meu coração vai pra outro cais,
aonde as velas não sejam tão banais
e a nau volte sem demora
Ainda antes das três!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Escarlate pureza


Daria rosas brancas para você se soubesse de teus dias.
Faria dos espinhos ninhos de passarinhos se fosse seu guia.
Espetaria com carinho tua alma, até manchar cada pétala.
Invadiria mansamente o vermelho de teu sangue, com nuances de pincel.
Escolheria tons de mel.
Encontraria mil abelhas, forjaria uma colmeia, bem na beira do céu.
Se soubesse o que há por traz do véu.
Se soubesse que amar é o voo da águia.
Não!
Cortaria vorazmente as rosas brancas com a língua
Enfeitaria tua cabeça de escarlate.
Desejaria uma selva escura e uma noite transparente.
Acolheria o amor como quem acolhe uma serpente.
Finalizaria uma tela em tons de fel.
E por fim, morreria...
Porque depois do esquecimento só há o futuro que vai.
O futuro que nunca chega.
O futuro, igual ao camundongo,
Que na alma faz um furo.