domingo, 27 de março de 2011

A maçã


A mulher nunca acreditou em contos de fadas. Jamais havia visto príncipe, nem tampouco avistado castelos.
Sua crença era saber que no próximo amanhecer o sol mancharia suas roupas quarando à beira do rio. Sua fé estava em banhar-se nas correntezas turvas do lago misterioso e ver os males sendo banidos com o nadar dos lambaris.
Sua fé, sua magia. Suas mãos, seus medos. Seu coração, sua fragilidade. Em dias iguais aqueles dos contos, veio o príncipe e trouxe a ela a maçã.
Estava de branco e vermelho, ancorada, a fruta repousa silenciosamente sua dose lenta e letal de um veneno raro. O antidoto? A mesma dose do mesmo veneno.
Aos poucos, os peixes deixaram de nadar, o sol ficou sonolento e já não quarava as roupas, até o dia em que o conto acabou. Para ela que não acreditava em contos de fadas, fadas de contos viu... e até um príncipe.


quarta-feira, 23 de março de 2011

Notícias de última hora


Caminhava pela rua sem conseguir distinguir o que era realidade ou fantasia. Os pés vestidos por uma névoa de Avalon alcançavam as memórias mais remotas de um passado partilhado com um felino.
Um anjo feminino em sua forma de defesa com asas majestosas e olhos expressivos acompanhava seus passos pelos becos escuros inundados por vultos barulhentos, rabugentos e simpáticos.
Eram velhos conhecidos das beiradas das calçadas mal vestidas que traziam num picuá um passado misterioso de amores ocultos, flagelados, concretizados, quase possíveis. E em meio a tanto alvoroço de umas sementes de medo e outras de curiosidade, com um punhado de saudade, que estava ele: sentado no minúsculo quintal de paredes amarelas e cimento encardido.
O ancião apoiado em seu instrumento necessário para os passos enxergava com os ouvidos o que a velha caixa anunciava. Como um feiticeiro, previa as próximas e as anteriores palavras encaixadas em meio ao zumbido daquele que era uma relíquia.
Apoiado ao pé da orelha vivida e sofrida saboreava as notícias noticiadas acontecidas.
Com algumas redundâncias de quem já viveu um coração de pleonasmos, o velho entristecia-se por aquilo que deixara de ser e por aquilo que fora. Eram as notícias de última hora da derradeira vida. Miserável vida gritada com os barulhos de todos os lados, de todos os microfones, com alguns bilhetes desenhados com nuvens e flores... e uma assinatura desconhecida... Como se o papel e os sentimentos também fossem visíveis aos ouvidos.





segunda-feira, 21 de março de 2011

domingo, 20 de março de 2011

Resposta ao coração


Devolvo-te, senhor Coração, os questionamentos a mim feitos.
Confesso que testemunhei atos desonestos!
Acompanhei de forma leviana todos os seus protestos.
Acomodei-me sentado à mesa tomando café com a esperança.
Concordo que eu e ela deixamos o tempo passar.
Sim, acredito que foi culpa da senhora chuva que veio na hora errada.
Não avisaram-me para ir em degraus, pela escada.
Senhor, sinto-me culpado,
Admito que fui flechado e mal curado.
Tentei por um bocado, mas sem resultados.
No momento, poderia deixar-te seguir
Porém, há de convir
O tempo pode passar
E outro amor chegar.
Conversei com a lua,
Escutei o sol
Estou aconselhado a manter o querer
No entanto, sou obrigado a me desprender.
Sim, será melhor esquecer.
Concordo: não dá para brigar com o que há.
Perfeitamente aceitável, não somos íntimos
Meramente conhecidos
Vou rever os passos dados,
As promessas quebradas
Os dias perdidos
Os cacos no chão...limparei
Prometo:
Amar novamente, irei.



sexta-feira, 18 de março de 2011

Eu quero ser


Em linhas tortas iniciei uma jornada desconhecida.
Rabisquei pequenos traços trêmulos feitos uma coragem inventada.
Tracei,
Apaguei,
Cortei,
Pintei,
Errei.
Em linhas distorcidas inventei uma realidade turva.
Conquistei o mundo fantástico para ser...
E eu quero ser.
Quero crer que o amor é maior
Eu quero ser leve, como a pluma,
Maior que a montanha,
Mais calmo que as águas do lago,
Mais tênue que as linhas dos desenhos feitos.
Em rabiscos escritos quero ser
Uma paisagem que você se encontra
Uma árvore que te acalenta do calor
Uma chuva pra molhar seu coração
Eu quero ser....
Eu quero crer...
Eu quero...
Você.


quinta-feira, 17 de março de 2011

Entre riscos


Nasci sem ser poeta.
Cresci sem ser profeta.
Andei distorcendo a linha reta.
Cometi os mesmos erros e descrevi-me ser meu próprio
...profeta.
Sem entonações
Sem pontuações
Muitas vezes, desemparado nas situações.
Banhei-me em riachos claros
Comi em pratos rasos
Fiquei nu.
Minha alma ficou nua
Minha boca crua
Meu coração ficou parado.
Tive amor caro
Perdi-me no faro
Senti medo do que é raro.


segunda-feira, 14 de março de 2011

Pra fingir...

Perdido em pensamentos. Olhando a parede branca...uma música pra sentir:


Na Rua, na chuva, na fazenda
Comp.:  Hyldon

Não estou disposto
A esquecer seu rosto de vez
E acho que é tão normal
Dizem que eu sou louco
Por eu ter um gosto assim
Gostar de quem não gosta de mim...

Jogue suas mãos para o céu
Agradeça se acaso tiver
Alguém que você gostaria que
Estivesse sempre com você
Na rua, na chuva, na fazenda
Ou numa casinha de sapê...
Não estou disposto
A esquecer seu rosto de vez
E acho que é tão normal
Dizem que soy loco
Por eu ter um gosto assim
Gostar de quem não gosta de mim...
Jogue suas mãos para o céu
Agradeça se acaso tiver
Alguém que você gostaria que
Estivesse sempre com você
Na rua, na chuva, na fazenda
Ou numa casinha de sapê...

De sapê!...

sábado, 12 de março de 2011

Cacimba



Prólogo
Primeiramente, um esclarecimento: esse texto não deveria ser um. Deveria ser dito! Não deveria parecer um poema, nem deverá haver poesia. Mas, como todos os espaços enlouqueceram e minhas razões não conseguem desvendar o real do imaginário, será falado em ousadia, em nudez, em desejos por meio de uma linguagem chula e sem nexos!

Há ato, de fato é que, hoje pela manhã. Observação: que o hoje seja o seu e que a manhã seja qualquer uma! Falei em amores impossíveis, em sonhos desejáveis, em pessoas intocáveis, em sentimentos transcendentes...

Ao ato: conjuguei tantas vezes verbos no passado impossível e no futuro remoto, que acabei não amando, acabei deixando de sonhar, esqueci a loucura que existia em mim. Atos insanos, insensatos, palavras que se calaram e emoções abortadas antes de serem geradas.

Ao fato: não amei, não sonhei, não conquistei, não vivi! Passados impossíveis, que se afundaram em água de gosto forte. Igual à chuva. De fato, a chuva faz parte de mim. Sempre a contemplei, tentei entender seu cheiro, escutar seu gosto, pegar seu mistério... anos mais tarde compreendi: era o próprio mistério personificado que chegaria. Claro, junto com a chuva!

Desato: entendi - ontem, não, não, hoje de manhã - que a chuva sempre volta, acompanha-me. Agora, mais intensa, mais firme, mais futuro incerto. Desatei os nós dos verbos impossíveis e passei a querer os trabalhos de Hércules, as poesias não escritas, os verbos não vividos, nem sentidos. Desatei em uma loucura de fios negros pintados com aquarela.

Finalmente: não entenda o que é, nem para quem seja. É somente uma cacimba que jorra para cima, o que o eu lírico chama de sentimento transcendente.
Não julgues conhecer. Não procures o perdido. Não conjugue o talvez. Não é verbo, nem ação é descoragem.

Crônicas de uma cidade


- “Óia o cheru verde. Cebolinha e alface. Óia o chero verde...” – Assim seguem todas as manhãs em um lugarejo distante, muito distante. Iguais aqueles dos contos de fadas, em que os seres de rosto forte, de busto abusivo e de mãos robustas seguram as grandes bacias amaçadas de alumínio cor de noite. Elas seguem encantadoras em meio à garoa, que insiste em brigar com o calor matinal, em busca dos habitantes.

Mais adiante, em passos passados do dia ido: - Ei cachorro?! Cadê o cachorro?! E as mãos entrelaçadas pelos dedos escuros levados ao orifício sonoro, disparam pela rua os gracejos de um animal de estimação. Aqui, o homem é quase um animal. Ou é? Tenho dúvidas, quando passo pela calçada que abriga na esquina uma pequena barraca de baião de dois.

Ah, sim ia esquecendo-me, o baião nesse lugar é de todos, é com queijo, com folha de louro, é nobre e é popular. É vendido a ouro, é vendido nas esquinas. É consumido no trilho do trem, que somente às vezes, passa acordando os desanimados, os desavisados, os destemidos vizinhos de seu lugar.

É assim que vão se criando os tecidos de uma cidade viva. Com vida entre as grades das varandinhas acompanhadas pelos olhares tristonhos dos velhinhos que muito entregaram por querer e sem querer. É assim, que vai sendo descoberto o traçado invisível de uma linha tênue que desgruda as margens.

Aqui não há margens, não há local certo, não há condição adequada. Há mitos, mitologias e personagens. Todos, todas! Personagens personificadas vivendo encantadas em seus pequenos espaços sem calçada, com a porta desembocada para a rua. Uma rua que é dos meninos arteiros, das comadres faladeiras, das doceiras, das senhoras tristonhas, dos marujos que carregam nas costas mulheres desbotadas nuas abraçando eternamente as crinas de um alazão.

São as crônicas que vão acontecendo. São as falas escutadas, os cheiros sentidos, os olhares comidos e as almas em  tremenda bagunça.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Carta para a saudade


Escrevo-te assim
porque minhas mãos estavam trêmulas demais.
Meu coração acelerado e meus olhos úmidos.

Escrevo-te para dizer
que não sei mais.
Desde ontem deixei-te para traz.

Escrevo-te como posso
depois daquela noite, digo-te:
Ah, como a saudade é grande!

Escrevo-te essa carta
para gritar silenciosamente sílabas doces,
refrões saudosistas de um solista.
Escrevo-te, descrevo-te, espero-te!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Tapadores

Nessa estrada longa que atravessa minha vida de ponta a ponta, há os tapadores.
Perigos certeiros que encerram um caminho do primeiro voo do passarinho.
Trajeto com cheiro de amarelo e manchas andantes.
Pedras com textura de flores e gracejos de jumentos.
No meio dessa estrada longa que atravessa minha alma insana desnudada, há os tapadores.
Poeira pra acalmar o sol e fazer descer a chuva.
Trajeto com gosto de leite de cabras e cor de morros.
Buracos com intenção de carências.
Nas sombras dessa estrada longa que atravessa meu coração ao meio, há os tapadores.
Tapadores de buracos, rompedores de destinos.
Tapadores de buracos, homens feitos necessidade.
Tapadores de buracos, meninos coragem sem infância.
Tapadores de buracos, que encobrem a vergonha e que despe-me.
Tapadores de buracos, pessoas à beira da estrada, corrigindo os erros alheios.

Trevo Serra Bonita

Encruzilhadas de nossas vidas
Três pessoas, três destinos, três vidas e muitos amores.
Lugar de galhos retorcidos, de momentos e destinos.
Passarinhos andantes em cores viajantes
Pelo cerrado que fica.
Bonita serra de nossa vida
Que se encontra no trevo...
Trevo destino, trevo passagem
Uma viagem!