quinta-feira, 29 de março de 2012

Anastácia



Ah essa menina que queria ser menino. Amoleceu o coração e se apaixonou pelo primo.
Ideia, que de fato, na roça, não vingou. Numa cartinha adocicada ela disse:
 - Seu guri, mimado, não podes ser meu namorado, com primo não caso, pois é pecado marcado.
Decidi colher flores e fazer uma coleção de joaninha. Eu gosto mesmo é da priminha.

terça-feira, 27 de março de 2012

Amor de curta-metragem



Ah querido, arrisque-se comigo! Tenha todo o carinho que possuir contigo e venha ser uma pequena dose do meu melhor vinho.

Não, definitivamente! Apresse-se a despir-se novamente, pois há dias que procuro e atravesso meu desejo em cada muro que descubro no escuro.

Corra! Não há muito tempo para mim, fugi do ninho antes do amanhecer e agora não sei mais porque até aqui vim.

Só peço que me despedace querido! Rasgue meu véu, engula meu fel e deixe-me limpo sem nenhum risco, pois não quero de cor alguma ser tingido.

Faça-me ser um deus do Olimpo! Mas não demore, pois não sei quando cheguei e as filmagens já iniciaram e talvez você chore.

Não, não. Não cultue-me porque sou um santo pagão e há quem ore em vão.

Ah querido, faça-me eu ser igual a um pavão. Arranque cada carne, marque-me com quente carvão e desenhe na minha alma palavra que nunca sare.

Venha rápido, antes que o dia termine. Vamos ver um anime, encontrar um novo relógio e marcar um novo tempo.

Venha rápido, vamos ver as estrelas ao relento, porque meu amor é de curta-metragem. Não porque seja malandragem, mas já é tarde e posso sofrer um rapto. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

A rainha



Nada que vem é de tudo convencional. Há, nas horas vagas, um restolho de hipocrisia, um ensaio de maldade, uma beira de saudade.

Nada que vem é de mais querido. Há, em alguns momentos, uma pitada de carta marcada, uma fatia na faca largada, uma fita de cetim em ouro banhada.

Convencional? Querido? Saudade? Não. Definitivamente. O que lhe veste é a fantasia dual, é jogar corações e cabeças no perigo, é fazer da maldade um exagero de bondade.

Realeza pela sutileza, que mantém acessa a lamparina, igual à menina que bisbilhota pela greta aquilo que a verdade faz careta.

Sem nenhum traço, sem necessidade de longo abraço. Muitas, muitas fumaças de tabaco  e jóias raras em pedaços. A vontade de viajar varrendo o vento nas velozes velas do nunca tempo. Na chegada, o cansaço e do ouro da vida, algumas reais margaridas e o adeus da sacada. 

quarta-feira, 21 de março de 2012

Folhas outonando



Quando se percebe já é manhã.
Quando se avista a manhã, já é tarde.
Quando se aprecia o se por, já é noite.
Aí é tempo de fazer uma oração,
é momento de rezar uma reza de coração.
Proteger-se com um benzimento com galhos de arruda e açafrão  
Porque sempre é necessária qualquer ajuda.



Quando se percebe já é manhã.
Quando se avista a manhã, já é tarde.
Quando se aprecia o se por, já é noite.
Aí é tempo de perceber que as folhas outonam.
Não porque são obrigadas, mas por sentirem-se necessárias.
Elas caem brusca ou lentamente,
vão buscando os espaços no chão latente,
abraçando a terra-mãe clemente.
Outonam, para que a outra estação venha.


Aí, quando se percebe já é manhã.
Quando se avista a manhã, já é tarde.
Quando se aprecia o se por, já é noite.
A nova estação veio, porque elas aceitaram mudar,
iguais às revoadas ao entardecer: 
lindas, simples, coordenadas, de uma poesia para estremecer,
de uma beleza para lembrar.


Quando se percebe já é manhã novamente.
Somente.
Porque elas, as folhas, outonaram.
Milagrosamente.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Um quê de mim

Em tudo em mim há um certo gole de exagero.
Houve um tanto de nascimento para mim, que nem mesmo ela aguentou.
Há um quê de magreza exagerada, de língua afiada.
Em tudo em mim há um abuso de poesia descoordenada.
Há um punhado de vida inacabada.
Acontecem sempre mortes igual ao último desabrochar da primavera.
Em tudo em mim há um certo exagero de amar.
Mansamente se faz a ânsia de engordar:
de gordura e de poemar.
Sempre vem exageradamente a vontade do incrível.
de ver o mar
de poesias cantar para a morte afastar.
Há em mim um exagero em me cansar,
mas também há em mim sempre a contradição em continuar.
Descensos desses que aprendi a usar teu incenso.

domingo, 11 de março de 2012

Permita-se!



Desvende-se até o mais impossível eu como se fosse o outro.
Carregue-se de ternura e põe na mala a bagagem daquilo que recebes.
Descubra-te todos os dias como se a cada anoitecer desconhecesse o anterior.
Renda-se ao óbvio como se fosse a tua parte menos comum.
Entregue-se ao comum para entender mais o mistério de viver.
Desnude-se do sensível véu que veste tua alma para sentir com a essência.
Desbrava-se igual a criança que sorri de seu próprio olhar de nudez.
Permita-se sentir a imensidão do outro.
Permita-se viver a alegria com o outro.
Permita-se sorrir para o outro a cada início de dia e fim de noite.
Permita-se olhar brandamente a sua alma no reflexo do outro.
Permita-se a permitir os fluídos da vida que chegam em você.


segunda-feira, 5 de março de 2012

Silêncio



Silêncio! Ele é tolo.
Silêncio...ele é covarde.
É neutro, é infanto...
É um tanto quanto....
Silêncio!
Ele vem à tarde.
Silêncio,
Ele tem um nome que causa espanto...
Silencio perante o vazio
Silêncio! É um vago, é um vagão
É um não, é um sim, que faz estrago.
É saudade por atacado.
Silencio a voz neutralizada,
Silêncio... ele é a paixão generalizada.
Silêncio!
É voz calada,
É anoitecer vazio com cheiro de cio.

domingo, 4 de março de 2012

Flor de Vênus


Ah Vênus, faça cair água nesse meu sertão, pois cansei de ser tão só. 
Escorre teu sorriso entre os espinhos de minhas flores e faça os cactos se contorcerem em cores. 
Venha, corra com os pés descalços na areia e sinta o mormaço que meu coração despeja nas folhas tostadas iguais aos bolinhos de chuva da vovó. 

Penúltima hora da última vida



Convém dizer que não há muito o que não viver
Um poema pode ser o pouco necessário a se fazer
Um arroz branco misturado a amigos o único desejo.

Uma crônica anacrônica numa velha estrutura
Poesias formatadas sem rumo nem prumo
A ida de uma vida ainda prematura.

Saudade escrita em doces partituras
Muitos caminhos deixados sem rumo
O último folego ardendo como um despejo.

A penúltima da hora
A última da vida penúltima
Ainda desejando outra aventura
Prematura, insegura.

Flores sóbrias, pedaços de poesias escritas
A ida abraçada como uma nora
E os amores morridos como lendas descritas
Foram a certeza do ultimo olhar a ressoar na penúltima hora. 


sábado, 3 de março de 2012

A dama



São os traços invisíveis de uma sensualidade aparente,
Um batom rude que escorre corpo inteiro.
É de uma tal delicadeza que esfarela a tua sede amarela,
Um perfume nu que deságua sem cheiro.

São os riscos visíveis de uma elegância imponente,
Um cabelo despenteado que desaba na sombra do sabugueiro.
É de uma tal fortaleza que estreita a aquarela,
Mãos leves que abraçam flores iguais a canteiros.

A sensualidade despida e inoportuna,
Os leves vestígios de tua rara fortuna.
É de uma fome vaginal, de um falo matinal,
A boca rasa, o fogo na brasa.

Era a dama, essa rainha da tortura.
Com os pequenos pinceis,
A se pintar em amor virginal
E no fim se vestir de falsa candura.

Foto: Brent Stirton