terça-feira, 27 de julho de 2010

O Olhão

Era uma vez... uma criança que tinha medo do Olhão.
Ô coitadinha da menininha
- Que olhos pequeninos!
Eles eram menores que os botões menores da roupa de sua boneca.
- Quem é esse Olhão, menina?!
Ah, era uma vez quando ela viu a primeira vez...
O Olhão era maior que o maior botão do vestidinho tão-tão.
Estremeceu seu coração,
Sumiram suas mãos
Cerrou os pequeninos
E o Olhão era uma ilusão
Coisa da imaginação
Verdades da solidão, o Olhão.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O sapo que lãzeava

Sei que é comum um sapo falar da lagoa enluarada.
Sei que é comum um sapo ser príncipe.
Mais comum ainda é um sapo ser nojento.
Mas é incomum um sapo ser sapo.
É estranho falar de mim sem ter água na lagoa
Sem ter a princesa na torre
Sem ter a noite enluarada...
É triste, mas é isso!
Sou um sapo que não gosta de prosa. Nem de princesa.
Ando muito ocupado, muito atarefado e... muito apaixonado.
Há muitos e muitos tempos, descobri que minha condição de sapo encantado era mais uma desculpa de uma bruxa que não embruxava nada nem ninguém.
Chegou um dia que dei um basta. Desencantei por conta própria!
Deixei de lado a ideia de ser sapo-princípe para ser um sapo-sapo.
Eu não queria mais ficar esperando uma princesa mimada, que não sabe fazer nada, nem mesmo tecer, desenhar e colorir.
Pensei em ser um sapo diferente e procurar outras lagoas. Ao menos, uma lagoa que tivesse uma lua para eu mergulhar todas as noites.
E durante o dia tecer embaixo da sombra do tabual.
Encantado mesmo seria para a vida entrelaçada pelos fios invisíveis
Linhas coloridas embaralhadas num carretel de encantamento
Barbantes insinuantes costurando formas disformes de um príncipe que jamais seria sapo.
Porque os sapos são limpinhos, são definitivamente mais encantadores e encantados.
Sei que é incomum um sapo falar da sua vida de sapo
Porque os sapos não falam, mas os príncipes não existem...
Minha lã sim, minhas linhas sim e minha lagoa... essa é outra história de sapo.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Doutor, olhe a língua!

Há algum tempo deparei-me com algumas inusitadas expressões que, pra ser ameno, causam dores agudas aos ouvidos de quem estuda a língua portuguesa. Ao ingressar em uma pequena jornada no meio empresarial fui constatando que nesse ambiente as normas gerais da gramática não têm vez e a voz... sai cada coisa!


Figura: Mário de Andrade, caricatura de Baptistão
Fui obrigado, inúmeras vezes, a “sair pra fora”, “entrar pra dentro da sala”, “descer lá embaixo” e “subir lá em cima”. Que cansativo! (...) Eu fico tão estupefato, no início da noite, ao exercitar tanto e de maneiras estranhas a língua e o corpo.
E a escrita? Ah esta não está no gibi... Precisei aumoçar! Isso mesmo almoço com “u”. O cardápio estava bom, mas quando meu estômago lembra ainda tenho enjôos.
O mais importante: descobri que no mundo empresarial precisa-se de profissionais que auxiliem a empresa na escrita e que é necessário ter empresários capazes de entender seus erros e se perdoarem por cometê-los, pois o papel aceita tudo, os ouvidos nem tanto e a senhora reputação lê a fala, a escrita e julga cirurgicamente.
É compreensível, não aceitável – que a maioria se comporte como gênios absolutos da língua, pois até nosso presidente – autoridade maior de um povo democrático – recentemente, no lançamento do Emblema da Copa de 2014 (Vamos lá Brasil!), deslizou garganta abaixo plurais inexistentes e existentes (coitadinhas das pregas vocais).
E quando falamos de doutores? Ah, esses então corremos o risco de ser castigados... Não se pode comparar humanos a deuses. A titulação dos humanos somente é concedida após realizar os 12 trabalhos. E para os deuses? Esses já nascem assim...
Ceifa-se a gramática, a linguística! “Decretamos o fim das normas semânticas. Abaixo a ditadura da Análise do Discurso. Acabou-se a coesão”.
Instaura-se uma guerra contra os sinônimos, os pontos se perdem em meio à confusão e a acentuação fica instantaneamente caduca (ou lembra demais ou menos)... Ai é o fim da coerência.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A aventura da pressão

Entusiasmado com a localidade que não oferecia nenhum tipo de entretenimento. Tresloucado, aventurou-se pela poeira.
Se fosse nos escritos daquele livro profético, ele teria se tornado homem, mas como não era o pó e sim a poeira, o máximo que conseguiu foi flutuar sobre os grãos minúsculos amarelados.



Embrenhou-se pelas ruas descalças. Aliás, calçadas com enormes iguanas, que olhavam com os olhos de quem observa atentamente sua presa. Seus corpos ficavam imóveis analisando cada forma de movimentar do passageiro. Tinha-se a impressão que enxergavam até a alma! E enxergavam.



Iniciou uma subida que não era para o céu, pois fazia um calor, que igual só encontraria nos domínios de Hades. Naquele frescor que a flor amarela, opaca e sem nenhuma graça fazia questão de anunciar, chegou até o lugar. Entrou e procurou entre as prateleiras organizadamente desorganizadas.



Empunhou um olhar fixo, como dos répteis que encontrara no caminho e seguiu para a parte de cima. Naquele compartimento havia o tão sonhado objeto que iria trabalhar contra Cronos.



Era a panela. Não era uma simples panela. Equipada com uma super tecnologia, uma arma indiscreta para antecipar as coisas... Antecipar a vida. Era a pressão. Uma panela de pressão nova usada... Alguém vende panelas novas usadas no mercado...e não funcionou como o desejo de viver aventura.