sábado, 12 de março de 2011

Crônicas de uma cidade


- “Óia o cheru verde. Cebolinha e alface. Óia o chero verde...” – Assim seguem todas as manhãs em um lugarejo distante, muito distante. Iguais aqueles dos contos de fadas, em que os seres de rosto forte, de busto abusivo e de mãos robustas seguram as grandes bacias amaçadas de alumínio cor de noite. Elas seguem encantadoras em meio à garoa, que insiste em brigar com o calor matinal, em busca dos habitantes.

Mais adiante, em passos passados do dia ido: - Ei cachorro?! Cadê o cachorro?! E as mãos entrelaçadas pelos dedos escuros levados ao orifício sonoro, disparam pela rua os gracejos de um animal de estimação. Aqui, o homem é quase um animal. Ou é? Tenho dúvidas, quando passo pela calçada que abriga na esquina uma pequena barraca de baião de dois.

Ah, sim ia esquecendo-me, o baião nesse lugar é de todos, é com queijo, com folha de louro, é nobre e é popular. É vendido a ouro, é vendido nas esquinas. É consumido no trilho do trem, que somente às vezes, passa acordando os desanimados, os desavisados, os destemidos vizinhos de seu lugar.

É assim que vão se criando os tecidos de uma cidade viva. Com vida entre as grades das varandinhas acompanhadas pelos olhares tristonhos dos velhinhos que muito entregaram por querer e sem querer. É assim, que vai sendo descoberto o traçado invisível de uma linha tênue que desgruda as margens.

Aqui não há margens, não há local certo, não há condição adequada. Há mitos, mitologias e personagens. Todos, todas! Personagens personificadas vivendo encantadas em seus pequenos espaços sem calçada, com a porta desembocada para a rua. Uma rua que é dos meninos arteiros, das comadres faladeiras, das doceiras, das senhoras tristonhas, dos marujos que carregam nas costas mulheres desbotadas nuas abraçando eternamente as crinas de um alazão.

São as crônicas que vão acontecendo. São as falas escutadas, os cheiros sentidos, os olhares comidos e as almas em  tremenda bagunça.

Um comentário:

  1. Texto perfeito para o relato de nossa história, parte de nossas vidas que engrandecem o ser... Momentos que jamais será esquecidos e lembranças que sempre teremos vivas em nossos pensamentos....

    Edu...

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