segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Palavra mirrada



Há muitas eras, sou assim, um espinho fino entre os galhos que acolhem as pétalas. Não, não foi por natureza, foi de safadeza, como diria minha avó. Cresci pouco e mirrado. Tanto é que meus olhos ao invés de esbugalhados ficaram encalhados dentro da órbita sem forças para fazer a rotação sol afora.

Foi assim que, com minhas poucas polegadas, aprendi a lamber a grama seca, em que era jogado. Não lamentava, pois foi de lá, de baixo, que aprendi a olhar pra cima e ver as estrelas que começavam a dançar no salão azul, numa discreta competição para mostrar os trançados dos vestidos.

De longe eu passei a ser crente, tinha fé que ela não existia. Só me apegava a rogar quando ia anoitecendo e o milharal de vovô começa a se mexer e em poucos segundos estava, cada um, dançando sincronizado me atraindo para um mundo que eu ainda não estava pronto. Ah, mas quando o dia amanhecia, eu me vestia de diabinho e ia lá, enquanto os inimigos dormiam, eu empunhava a espada e cortava, mexa a mexa, todas as suas delicadezas. Até hoje não sei se era uma vingança minha ou dele.

E assim nasci um papel amarelado e pálido, sem muitas linhas para escrever. Foi por isso que, hoje, as palavras ainda não gostam de mim. A única forma que restou foi uma delas dizer: "Se nasci papel, quero morrer poesia." Ponto, correu, morreu.


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