quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Saudade da carriola


Acordávamos cedinho, na boca da manhã, com o despertar dos dois galos de plumagem avermelhada. Ela, robusta, encorajada por uma vida de labuta de “sol-a-sol”, prepara no grande coador de pano costurado em uma máquina de pedal, o café. Fritava bolinhos de trigo. Bolinhos salgados e doces, pois ele, com formas amenas, olhar azul celeste, cabelos alvos, não gostava ou não podia o açucarado.

Pequenino, com meus seis anos mal vividos, franzinos, de pouca carne e de muitas moléstias, eu acorda aos poucos com o toque suave nos peitos e uma frase de efeito: “Meu filho, acorda!”. Preparava-me para sentar à mesa, comer os bolinhos e tomar o café tão delicioso. O sono, às vezes, com sua mão grande, empurrava minha cabeça para baixo e eu sem ter muitas forças no corpo de menino desnutrido, acabava deixando-a cair por completo. Terminava. Trocava a roupa, colocava o chinelo cor de poeira das estradas do interior: interior da gente!

Ele armava o equipamento, atava ao cinto uma enorme bainha, com um facão. Eu desconhecia o significado, até o dia em que levei uma bainhada como corretivo... Saímos de casa ainda com os últimos versos dos galos. Sua preferência era pelas primeiras horas do dia, assim como uma vida toda de trabalho roceiro.

Saímos pela porteira, acompanhados pelos causos de assombração. Todos os fios de cabelo em mim estremeciam. Era pavorosamente boa a sensação de ter medo e estar protegido. Mas o melhor momento se dava quanto eu ouvia: “quer carona?” – Ah, uma carona naquele momento podia ser a coisa mais valiosa. Igual a todo menino, eu tinha preguiça de caminhar pelo chão encardido, desmotivava-me amolecer a poeira que dormia tranquila durante toda a noite.

Rapidamente, subia no objeto, que estava forrado por um saco de pano, apoiava os pés pequenos perto da roda e iniciávamos a viagem descida abaixo. Minutos de extrema contemplação para as pastagens com o gado curioso, o cheiro do orvalho, o sol que começa a esticar os braços por cima das matas. Mas isso era só na descida, porque na subida, ficava pesado e eu deveria novamente caminhar.

Ah, vô! Como você conduzia com tanta leveza? Impressionava-me a delicadeza de me carregar. Era um heroi para mim, pois continuava com as histórias, rindo ou assoviando. E eu, na minha inocência, achava que não pesava! Engano meu!

Saudades daquele tempo que andávamos por horas a fio em busca dos mantimentos necessários. E na volta da cidade, a carriola carregada por fardos... esses são os fardos que me ensinaste a carregar na vida, sorrindo, contando causos e assobiando, mas assoviar eu não sei. Fica então a sua memória em mim, meu avô/pai querido.

2 comentários:

  1. Você reviveu momentos de saudades e muita força nesse texto... Homem de garra e coragem, de vida sofrida que com palavras tão emocionadas relembra o que traz até hoje em seus fardos...

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  2. Amigo que linda lição de vida. Desde que te conheci a cada dia me surpreendo com vc. Apesar do pouco tempo de convivencia vc me ensinou muitas coisas, principalmenta com sua história. Muitas saudadesss....
    Te gosto muitooooo.
    Bjoooo
    Marna

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